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A mesquita de Kul Sharif dentro do Kremlin de Kazan.
A mesquita de Kul Sharif dentro do Kremlin de Kazan.

From Russia with love – Parte 3 – Kazan

Eu fico impressionado como a gente tem uma visão limitada da história. Antes da viagem fiz uma pesquisa porca sobre Kazan, só pra definir além de “a cidade onde o Brasil foi eliminado pela Bélgica”. Eu ia ficar 15 dias por lá, não queria parecer um completo idiota, mas não adiantou muito. Precisei chegar lá para saber mais.

Cheguei no começo da tarde do dia 15 de agosto, e como estava dispensado do trabalho, aproveitei para dar uma volta nos arredores do hotel. Ele ficava na área central, com uma saída pra Baumann, uma rua fechada para carros e super próximo do Kremlin de Kazan. Estar no centro da cidade faz uma diferença incrível no seu convívio com a cidade e com as pessoas.

Rua Baumann, em Kazan.

Centro de Kazan

Pois bem, o reconhecimento também tinha como objetivo achar o box de crossfit que, em tese, era próximo do hotel. Falhei nessa busca, porque o box já não ficava mais lá. Pelo menos, tive o primeiro contato com o Kremlin e a maravilhosa mesquita de Kul Sharif. Além da mesquita, a torre Söyembikä e a Catedral da Anunciação ficam dentro do Kremlin, que também é a sede do governo local. Nos dias seguintes, passei por lá mais umas três vezes.

A mesquita de Kul Sharif dentro do Kremlin de Kazan.

A Catedral da Anunciação

Uma dessas vezes foi durante a excursão dos Competidores. Nosso guia e sua voz de trovão gritando “number 44“, o número do nosso ônibus, conseguiu matar um pouco da minha ignorância. Descobri que Kazan, a capital da República do Tartastão, foi anexada à Rússia por Ivan, o “Terrível”, em 1552. Era o fim da guerra de mais de cem anos entre o Canato de Kazan e os Moscovitas. A catedral de São Basílio, em Moscou, foi erguida para celebrar esse feito.

Todos atentos ao guia e sua voz de trovão.

(Nota: também descobri que “Terrível” não é a alcunha correta para o Ivan. Quem nos contou isso foi Carolina, a attaché que salvou nossa vida durante a excursão. Se ela não tivesse conosco quando chegamos na Vila dos competidores, o ponto de encontro, possivelmente estaríamos morando lá até hoje.

Bem rapidamente, ela nos disse que a alcunha mais apropriada seria “aterrorizador”. Ivan era temido na época, mas ficou doido no final da sua vida e matou os filhos. Seu legado ficou manchado.)

Enfim, Kazan tem 1,5 milhão de habitantes, fala-se tártaro e é 50% muçulmana e 50% cristã-ortodoxa. É um dos raros exemplos de interação entre religiões e vemos mesquitas e igrejas espalhadas por toda a cidade. Além disso, é a sede do ministério da agricultura da Rússia, uma forma do governo russo dar importância e também garantir sua influência na região.

É uma cidade que tem mais de mil anos, passou uma série de conflitos, fica às margens do Rio Volga, um dos mais importantes da Rússia. Pra mim, que nasceu numa cidade de apenas 121 anos, toda essa quantidade de história é meio absurda. É preciso um tempo para entender e processar tudo.

Detalhe do centro antigo de Kazan.

Ministério da Agricultura em Kazan.

Parte de Moscou vista da Catedral do Cristo Salvador.
Parte de Moscou vista da Catedral do Cristo Salvador.

From Russia with love – Parte 2 – Moscou

Com tanta coisa acontecendo dos lados de cá, tive pouco tempo para fazer uma pesquisa mais estruturada sobre as coisas que poderia fazer nesses dois dias de Moscou. Mas se tratando de Rússia, quem tem o Fabrício Vitorino como amigo, tem tudo. Ele é a pessoa de confiança para assuntos relacionados ao país, a história, a cultura e se você não acredita nisso, é só dar uma olhada no seu twitter. O Fabrício fez uma lista de atrações que eu deveria ver e eu juro que tentei cumprir à risca.

Aliás, quando descobri que estava indo para a WorldSkills, perguntei pro Fabrício se eu conseguiria aprender russo em 139 dias. A resposta não foi tão otimista. E nesses dias de viagem, foram dezenas de mensagens trocadas e muitas aulas sobre o que eu estava conhecendo. 🙂

Chegando em Moscou, as primeiras coisas que fiz foram trocar dinheiro e comprar um chip de telefone. Até pensei em usar somente o wi-fi, mas como estava receoso em relação às variáveis do deslocamento até o hostel e da cidade em si, achei que essa compra fazia sentido.

Sabia que precisava pegar o trem expresso do aeroporto Sheremetievo até a estação Belorusskaya e de lá, um metrô até a estação Kitay-Gorod com uma baldeação no meio. Uma vez que o trem chegou na cidade, segui a multidão de pessoas e cheguei na estação. Já havia baixado o app do metrô – tem alfabeto latino – consegui comprar a passagem, me locomover entre as baldeações e deu tudo certo.

Uma historinha sobre o metrô

Algumas linhas sobre o metrô. Pra começar, o metrô de Moscou é uma perdição. Sistema gigante, com algumas estações super fundas, porque também foram construídas para servirem de abrigos nucleares, e todas absolutamente lindas. Esse link mostra as 20 estações mais bonitas. É difícil descrever a beleza e os detalhes nas colunas, paredes, teto e piso.

Eu passei em algumas delas, mas digo que é difícil fazer fotos legais. Já estava causando disrupção suficiente no sistema fazendo absolutamente tudo o que me deixa puto no metrô de São Paulo: ficar parado na porta que iria abrir, andar nas estações e parar bruscamente, seja procurando o caminho ou completamente embasbacado pela beleza das plataformas, fiquei até do lado esquerdo da escada rolante (blasfêmia-mor!) e elas são várias e gigantes.

Plataforma da estação Biblioteka Imeni Lenina – Библиотека имени Ленина

As baldeações entre as estações me lembrou as de Paris e Londres, de certa forma. São sistemas antigos, com passagens estreitas, cheias de curvas e muitas vezes não-óbvias. Procurem no mapa abaixo a estação Biblioteka Imeni Lenina – próxima das 7h se a linha circular fosse um relógio – e percebam as baldeações em diamante. Eu precisei de um tempinho para entender como trocaria de linha ali. 🙂

Além disso, algumas estações, tipo a minha Kitay-Gorod, chegam a ter 14 saídas. Saí pelo lado errado e precisei andar uns bons dez minutos na rua. Acontece.

Mapa do metrô de Moscou.

(Voltamos)

Como falei no post anterior, a caminhada para encontrar a Lisa Frizzell me proporcionou o primeiro momento “uau!” da viagem. A Praça Vermelha logo na minha frente trouxe um misto de sensações. Somos insignificantes perto do tamanho das edificações e o que aquele lugar significa para a história.

Joguei pra alguma gaveta escondida da memória a relevância de Moscou pra história. E quando lembrei do pouco que sei da história da Rússia e de Moscou, fica fácil entender porque tudo ali, os prédios, as praças, as avenidas, as estátuas, são amplos e imponentes. São afirmações de poder.

Moscou já foi a capital de um império, o significado-mor de uma ideologia. Os russos já enfrentaram um sem número de conflitos, guerras e invasões e precisam mostrar seu poderio. Toda hora você cruza com uma estátua de três metros de alguém: de Lênin até Dostoiévski passando por Marx. Os símbolos comunistas estão todos ali, especialmente no VDNKh (fala-se vêdénrrá), parque criado para celebrar a potência econômica da União Soviética. São pavilhões para países e indústrias do ex-bloco, além de fontes maravilhosas e restaurantes. Tudo é muito pujante.

Sobre as guerras, fiquei impressionado com o Museu da Grande Guerra Patriótica, como os russos chamam a 2ª Guerra Mundial e o Museu da Guerra Patriótica de 1812, contra Napoleão.

No primeiro, um outro momento “uau” da viagem. Ao sair da estação, você vê um parque imenso e lá no final, um monumento e o museu, gigantes. Esse museu nos ajuda a (re)lembrar quem ganhou a guerra na europa: os russos. Foram três anos de batalha, cercos em São Petesburgo e Volgogrado e 26 milhões de russos mortos. Não fosse o encontro do Exército dos Estados Unidos com o Exército Vermelho às margens do Rio Reno, tema de exposição temporária no museu, talvez os camaradas só parassem em Lisboa.

Hall dos Comandantes

Hall da lembrança e da tristeza

A escadaria e o monumento

Outro lugar que me emocionou bastante foi o Museu dos Cosmonautas, vizinho ao VDNKh. Primeiro, pelo Monumento aos Conquistadores do Espaço, de 107 metros de altura, todo em titânio, com um foguete em seu ponto mais alto. Na base, representações dos homens e mulheres que participaram do programa espacial russo, além da cadela Laika, o primeiro animal a orbitar a Terra. Depois, pela chance de ver o outro lado da história da exploração espacial, incluindo um módulo da Soyuz.

Museu dos Cosmonautas Visto da saída da estação VDNKh

Museu dos Cosmonautas

Esses dois dias só foram possíveis com a listinha feita pelo Fabrício. Ainda consegui visitar o Mausoléu do Lênin, os jardins do Kremlin, a Catedral do Cristo Salvador e o parque Gorki. Me senti muito afortunado pela oportunidade de estar do outro lado do mundo, numa cidade cheia de símbolos. É fruto do meu trabalho, do que construí, e é fruto também do apoio da família. Só pensava como o Leo e a Pilar estariam pirando se estivessem ali. Tentei conhecer o máximo da cidade também para ter história pra contar pra eles.

Antes de voltar pro hostel, fechar a mala e partir cedo no dia seguinte, ainda fiz uma última visita à Praça Vermelha, para poder fotografar a arquitetura iluminada. Belíssima, mesmo com a montagem de uma mega estrutura para um evento no centro da praça.

 

A catedral de São Basílio.

E o evento que estavam montando ao lado da catedral…

Na sala de embarque, todo aquele medo tinha ido embora e parecia algo quase infantil. Os dois dias na cidade valeram demais e serviram como o período de aclimatação ideal para Kazan e a WorldSkills. O trabalho duro e a diversão iam começar pra valer agora.

A placa do Aeroporto Sheremetievo na estação de trem do aeroporto.
A placa do Aeroporto Sheremetievo na estação de trem do aeroporto.

From Russia with love – Parte 1 – Medo

Prólogo

Em agosto, tive a chance de participar da WorldSkills Kazan 2019. Foi a minha terceira experiência na WorldSkills Competition, a maior competição de educação profissional do mundo. Primeiro, fui parte do Comitê Organizador na edição de São Paulo, em 2015, e parte do Secretariado Estendido na WorldSkills Abu Dhabi 2017, trabalhando no time de comunicação e marketing. Fiz parte desse mesmo time em Kazan.

Essa foi a 45ª edição da competição, a primeira na Rússia, e a maior até agora. Mais de 1.300 competidores de 63 países e regiões membros da WorldSkills, competindo em 56 modalidades.

Permitam-me explicar esse termo pouco familiar, o tal “Secretariado Estendido”. A competição é organizada pela WorldSkills International, uma entidade sem fins lucrativos, em parceria com o representante no país que irá sediar o evento. No Brasil, por exemplo, foi o SENAI. Apenas para termos de comparação, a WorldSkills seria a FIFA na Copa do Mundo ou o COI nos Jogos Olímpicos. Entre as competições, a organização tem cerca de 20 pessoas em seu quadro fixo, chamado de secretariado. Durante o evento, esse número sobe para mais de 150, quando pessoas são selecionadas para estender esse quadro – daí o nome – e trabalhar para a competição em diferentes frentes: Pode ser no apoio à competição, aos membros da WorldSkills, na área de comunicação e marketing ou na parte de patrocínios e programa de conferência.

São pessoas do mundo todo e com experiências diferentes. É uma divertida mistura de histórias, sotaques e habilidades, uma das coisas mais valiosas dessa oportunidade. Vou falar um pouco mais sobre o trabalho e o dia a dia na terceira parte desse post.

Antes, queria começar as memórias da Rússia com uma reflexão sobre medo e desafio. 🙂

 

Parte 1 – O medo

Quando a Jane Scott entrou em contato comigo para falar de passagens aéreas, uma das perguntas foi quantos dias eu queria ficar na Rússia antes ou depois da competição. Depois seria inviável, porque teria o casamento do Leléo e da Nika, meus primos, em Lisboa. Mas poderia chegar alguns dias antes e conhecer Moscou e São Petesburgo por minha conta. Só que eu titubeei demais para responder essa pergunta. Com medo, disse que queria ficar só dois dias.

(Nota paralela: o cargo oficial da Jane é assistente financeira e de operações. Pra mim, ela é a fada onipresente resolvedora de todos os problemas. Nada, absolutamente nada, fica sem solução pra ela. É incrível!)

Voltando. Pra fora, estava com medo de Moscou e da Rússia, “do idioma e das coisas que a gente vê sobre lá”. Eu que tanto falo sobre pensamento crítico, estava replicando uma bobagem dessas. Na verdade, eu estava com medo de mim mesmo e do “novo”. De vez em quando, deixo os pensamentos que me atormentavam há muito tempo darem as caras: o medo das mudanças e do novo. Não estava preocupado com Kazan e a competição, mas sim com a grande surpresa que seria Moscou. Imaginava que não conseguiria resolver as coisas triviais: a imigração, sair do aeroporto e chegar até o centro, andar de metrô, chegar no hostel. Era muita coisa para sobreviver em dois dias. Será que eu daria conta?

A praça vermelha e a Catedral de São Bas

E é engraçado quando a gente simplesmente passa por essas coisas sem perceber. Quando vi, estava no hostel e já me preparando para encontrar com a Lisa Frizzell, amiga da WorldSkills. No caminho, precisei do primeiro momento “uau!” da viagem – o encontro casual com a Praça Vermelha, a muralha do Kremlin e a Catedral de São Basílio – pra ter a certeza que o medo tinha sido um sentimento bobo.

Eu poderia ter pedido para chegar antes e ter sido mais corajoso. Agora era tarde, tinha só dois dias na cidade e decidi usar essa coragem pra aproveitar Moscou da melhor forma possível. Deu certo.

Show do Balboa no Hard Rock Cafe BH em 2006 e utilizando itens de percussão feito o
Show do Balboa no Hard Rock Cafe BH em 2006 e utilizando itens de percussão feito o

Bateria, 20

Queria compartilhar que a minha 37a volta em torno do sol também significa 20 anos tocando bateria. É uma data simbólica e ao mesmo tempo super importante, porque são 20 anos da descoberta da música como uma língua e uma forma de interação. Pra mim, também sempre significou uma forma de me entender, de sonhar e de poder me expressar.

Essa relação começou alguns meses antes do meu aniversário de 17 anos, enquanto conversava com o tio Ângelo, meu padrinho. Eu, inseguro e teimoso até a tampa, disse algo como “se me derem uma bateria, eu aprendo a tocar em poucos meses”. Ele riu.

Semanas depois, rigorosamente em um 7 de agosto, comemorava meu aniversário no apartamento da Rua República Argentina em BH. Quando abro a porta para receber alguém, vejo a Simone, na época namorada e hoje esposa do tio Ângelo, com uma porrada de caixas de papelão da Yamaha. De dentro do apartamento, vem ele dizendo “você disse que era fácil aprender a tocar, agora prova isso”. A teimosia vem de família, aparentemente. Dentro das caixas, uma Yamaha Stage Custom, cor verde marina, que está comigo até hoje. Eu, que nunca dou apelido para coisas, sempre chamei ela de “Verdinha”.

Juro que tentei achar as fotos desse dia, mas elas estão guardadas em alguma caixa nesse mesmo apartamento. Ainda posto aqui. Eu chorando na escada, meus amigos com cara de surpresa, a bateria montada de qualquer jeito depois. Era o começo da história. O primeiro ano foi praticamente gasto para aprender na marra. Obviamente, era muito mais difícil do que eu imaginava, mas a ignorância e a arrogância dos 17 anos não tinham me mostrado isso. Precisou de uma dose de coragem e do acaso pra isso mudar.

07/08/1999. A bateria montada de qualquer jeito no meu quarto.

O acaso

Ricardo Bizafra, meu primo, estava numa festa num condomínio perto de BH e ouviu um conhecido dizer que precisava de um baterista pra sua banda de pop rock nacional. Aparentemente, o velho e bom Biza tinha a solução:

– Pô, meu primo toca.
– Sério?
– Sério! Toca Rush, Dream Theater, ele é bom demais!

Vejam, eu ouvia Rush e Dream Theater. Tocar era uma história completamente diferente e fantasiosa ainda por cima. Porém, essas falsas credenciais me qualificaram para ser o baterista do Álamo. Estava com a minha primeira banda. Tocávamos rock nacional dos anos 80 e 90: Ultraje a Rigor, Capital Inicial, Barão Vermelho e Skank, além de algumas composições do Lelo Schirmer, o vocalista. Éramos cinco moleques, eu sem nenhuma experiência de nada, fazendo música e se divertindo pra caramba. Claro, não demorou muito para os meninos perceberem que eu não tocava nada daquilo e fui procurar aulas de bateria. Era importante, afinal o Álamo seria um grande expoente do rock nacional e o baterista precisava ser bom para justificar isso.

O último show do Álamo, abril de 2001, em BH.

O sonho acabou antes, em abril de 2001 e por diferenças criativas. Não sei como isso funciona nas bandas grandes, porque no Álamo foi bem simples, se não me falha a memória. Um guitarrista tinha um outro show na mesma data, faltou um ensaio e também não apareceu para tocar. Fim da banda. Fizemos ainda mais um show em setembro, porque “Gatos Pardos”, nosso grande hit, havia sido selecionado para o Sprite Sounds 2, um festival promovido pela Coca Cola. A qualidade da gravação é ruim, mas a música é joia!

Em 2002, fui chamado pelo Lelo para substituir o baterista em um show na sua nova banda. Quando vi, já era o baterista do Venal, a sua banda junto com os irmãos Rafa e Marcelo Poleze. Fizemos 90% dos shows do Venal no mesmo lugar, o Severino’s Pub em Belo Horizonte. Ficamos juntos até o ano seguinte, quando a banda também acabou.

Marcelo Poleze, Lelo Schirmer, eu e Rafa Poleze no Venal.

Pra minha surpresa, os Poleze me chamaram em 2004 pra nova banda deles, o Balboa. O repertório era bastante voltado pro pop com alguma coisinha de funk. Os três anos que ficamos juntos foram os de maior aprendizado. Tocamos para ninguém num domingo de tarde, para 2,5 mil pessoas na abertura do Festival de Cinema de Tiradentes em 2006, abrimos show para o Double You no interior de Minas Gerais, fizemos dois shows lindos no Hard Rock Café. Gravamos demo, disco, crescemos muito como banda, como músicos e como pessoas.

Show de lançamento da nossa demo “Pra Sempre Viver”, em 2005.

Tocando com o Balboa no segundo show no Hard Rock Café, em agosto de 2006.

Tocando com o Balboa no segundo show no Hard Rock Café, em agosto de 2006.

Pessoalmente, o Balboa também foi importante para me fazer entender a música como forma de expressão. Mais do que emular o que ouvia nos discos, eu descobri que podia – e devia – expressar o que eu sentia e o que queria dizer quando tocava bateria. Era como se tivesse o que conversar com o Steve Jordan, Mike Portnoy, Wilson das Neves, Carter Beauford, João Barone, todos aqueles caras que eu ouvia.

Foi a época que eu ouvia Dave Matthews Band de maneira compulsiva e esse caldeirão de coisas também me abriu os olhos para outros sons que queria fazer. Acabei saindo da banda em 2007, por discordar de alguns direcionamentos. Olhando pra trás, mudaria a conversa e a forma como isso aconteceu. Fui intransigente e cabeça dura demais. Felizmente, o tempo nos ajuda nessas coisas. Tive a chance de conversar sobre isso com os meninos há pouco tempo e foi uma conversa breve, mas muito importante.

A música me deu a chance de conhecer e aproximar de muita gente. Depois do Balboa, toquei com o Diguinho e o Celinho, amigos de infância, numa banda de blues chamada Batomush. Também fiz muitos sons com o Diego Mancini, uma das melhores pessoas para se ter ao lado na vida, incluindo um palco. Fizemos um sem número de shows junto com a Jennifer Souza, com a Lorena Chaves – sim, já toquei com uma artista que apareceu no “Ídolos”! – , com o Cine Los Angeles, nosso projeto de uma apresentação só. Eu tenho a honra e o orgulho de ter gravado o vídeo que ele fez para ser admitido na Los Angeles College of Music em 2009.

Batomush em janeiro de 2007.

Jenny & The Bottle Trio em março de 2009.

Quando me mudei pra São Paulo, achei que tinha encerrado esse capítulo na minha vida. Já tinha desistido de viver de música, pensava que ia parar de tocar bateria, mas tudo se assentou e, em 2015, voltei a tocar em uma escola de música. As práticas de banda me deram mais pessoas legais e a chance de voltar a tocar o instrumento.

Pra terminar

Nesses 20 anos de relação, eu certamente ganhei mais do que dei. Poderia ter estudado mais e me dedicado mais, poderia ter contribuído mais e ter sofrido menos com as cobranças e expectativas. Talvez tenha me faltado cavar mais fundo, ficar desconfortável com processo de aprender alguma coisa. Essa é outra lição que a vida me deu. Por outro lado, dificilmente teria essas experiências todas se não tivesse feito uma aposta com meu tio e ele ter topado. Possivelmente estaria sonhando até hoje ou vendo um show e pensando “ah se eu tivesse lá, estaria mandando ver” sem a menor ideia do que é “mandar ver”. Que ilusão. 🙂

A gig de hoje é essa deliciosa prática de banda de jazz e Beatles. 🙂

Não é preciso tocar um instrumento para gostar de música, mas poder aprender um instrumento e tocar com outras pessoas significaram experiências que transcendem a arte. Aprendi mais sobre mim, sobre conviver com o outro, sobre dividir perrengues e pequenas vitórias num palco. E num fechamento recente na análise, que é preciso muita repetição para ser bom em alguma coisa.

Hoje, completando 37 anos, tenho entendido mais o valor do esforço ao invés da inteligência. Há 20 anos, o menino que sempre estudou o suficiente para poder passar nas provas achava que só o esforço análogo serviria pra música. Ele estava enganado. Ainda bem.

Essa história é minha, mas também é de muita gente. Ângelo, Bizafra, D. Pilar, Leo Fares, Tutu, Lelo, Nicolas, Rômulo, Pedro Henrique, Rafa, Marcelo, Daniel, Chacal, Diguinho, Celinho, Diego, Rapha Mancini, Jennifer Souza, Lorena Chaves, Plauto Covre, Kicko Campos, Dedig, Alex Manzi, Arthur Rezende, Glaydson Benevenuto, Samir Nassif, Luciano, Pedro França, Thiago Ceconi, Carol Balbi, André, Felipe, Tainá, Gustavo, Ian. Todos vocês têm uma contribuição na vida musical desse escriba.

Obrigado (e parabéns pra mim)!

Bandeja 02 - Pinho 51 x 32cm
Bandeja 02 - Pinho 51 x 32cm

Bandeja #2

Graças à um convite de última hora, a bandeja número 2 está pronta. Comecei esse projeto no primeiro final de semana de maio. Pra quem não se lembra, a minha primeira incursão na marcenaria foi também com uma bandeja. Foi super divertido, uma oportunidade incrível de aprendizagem e, por isso, achei que esse projeto seria mais rápido. Como diria Fausto Silva, “errou!

No primeiro final de semana, consegui grosseiramente fazer as laterais e o fundo. Deixei tudo separadinho na oficina do meu tio pra terminar em um outro momento. Achava que iria demorar e fiquei feliz que a oportunidade apareceu antes. Foi legal pra ver que as coisas levam tempo e como somos facilmente enganados pelo Youtube. Vamos lá.

Como pouco sei sobre marcenaria, as chances para aprender algo novo estão do meu lado. Seja no processo, seja nas técnicas. É sempre bom reforçar que diferente dos vídeos que vemos, poucos projetos são obras do acaso. É preciso gastar tempo planejando a construção, escolhendo a madeira, planejando os cortes e medidas e trabalhando o material. Tal qual no meu dia a dia profissional, um planejamento bem feito visa diminuir os percalços no meio do caminho.

Óbvio que não estamos imunes a eles e eu vou dar um exemplo. Essa bandeja tem as laterais unidas usando “box joint“, esse encaixe de dentinhos. Meu tio precisou de quase um dia para ajustar o novo gabarito. Eu precisei errar pouco, porque qualquer milímetro faria diferença no encaixe final. (e fez)

Ajuste no gabarito do box joint.

Modelo de box joint.

Mesma coisa para a alça, que foi feita na furadeira de mesa, usando a ponta Forstner, que faz um furo largo e circular. Três ou quatro desses bem-feitos fazem 90% do trabalho. Você só precisa acertar com a serra tico-tico. Em tese, porque ainda me falta habilidade, tanto para essa ponta quanto para a serra.  🙂

Processo de furos da alça da bandeja.

Naturalmente, errei um bocado. Mexi na largura e comprimento no meio do projeto, precisei lixar, cortar e aparar para cobrir a falta de traquejo supracitada. No sábado de manhã, quando vi que o fundo estava menor do que as bordas, pensei em transformar tudo em uma grande fogueira e dar o trabalho por encerrado.

E aí, a ajuda de um tutor experiente acaba fazendo a diferença. O tio Ângelo sugeriu correções simples e que funcionaram muito bem. Precisei voltar para o gabarito do box joint e voltei a gastar um bom tempo lixando, mas deu tudo certo.

Aliás, falando nisso, desconfie quando seu youtuber preferido faz pouco caso do trabalho braçal. No caso de vídeos sobre marcenaria é ouvir algo como “Ah, aí eu montei, dei uma lixada e encerei”. Turma, “dar uma lixada” dá trabalho, demora e é chato pra caramba, mas é necessário para que fique bonito.

“Dar uma lixada”.

O resultado é esse aí embaixo. Tem algumas falhas, eu posso dizer que alças quase simétricas são minha marca registrada e estou super feliz com o produto final. Além de continuar aprendendo algo novo, a marcenaria é uma aula de expectativas e humildade. Cheguei querendo terminar a bandeja em um dia e aproveitar os outros para fazer qualquer outra coisa. Saí pensando que é melhor fazer um pouquinho a cada dia.

Melhor assim. 🙂

Bandeja 02 – Pinho 51 x 32cm

Bônus: tem até um mini timelapse.

 

A única coisa em que Niki Lauda estava errado

Tem umas duas semanas que Niki Lauda morreu. Quem gosta ou acompanha o automobilismo sabia que o austríaco foi um de seus grandes nomes, pelos feitos e pela história. Três vezes campeão mundial de Fórmula 1, o acidente quase fatal em Nurburgring, a rivalidade com James Hunt, a sua companhia aérea, a abordagem metódica para as coisas, a sua influência no atual domínio da Mercedes na Fórmula 1.

Lauda fez muita coisa certa na vida, é óbvio. Exceto por uma frase, que li nesse post do Flavio Gomes:

"A felicidade é uma inimiga, ela te enfraquece porque, de repente, você percebe que tem algo a perder"

Eu fiquei pensando demais nela, tentando entender onde me incomodou. Uma chuva de sentimentos conflitantes. Por um lado, é esquisito ver um bom sentimento ser rotulado como uma coisa ruim. Ao mesmo tempo, tenho muita dificuldade com a definição de “felicidade”. Acho que é um estado transitório, e que é arriscado quando colocado como um ponto final, uma linha de chegada. Afinal, o que vem depois?

Vou tentar juntar uma série de pensamentos e referências aqui pra tentar explicar. Pode ser que a gente tenha medo da felicidade. Nossa diva Brené Brown fala em “O Poder da Coragem“, seu especial no Netflix: “Ficamos apavorados ao sentir alegria. Ficamos com tanto medo, que se nos permitimos sentir alegria, algo vai vir e nos arrancar esse sentimento e vamos tomar uma porrada de dor, trauma e perda”. Ou esse tweet maravilhoso do Existential Comics dizendo que uma das coisas mais difíceis de explicar para um alien seria a razão de sabotarmos a nossa própria felicidade porque temos medo de falhar e por isso a gente nem pensa em tentar.

Eu entendo isso. É muito mais fácil vestir a capa de vítima, não ser responsável por nossas ações e por suas consequências, mesmo as boas. E vivemos em um mundo que não celebra e nem aceitas falhas. Então é mais fácil não tentar e manter as coisas como estão para não decepcionarmos depois (será que tem a ver com o que falei sobre cavar fundo?).

Ah, mas pode ser uma construção, um caminho e isso tem dois problemas. O primeiro é a jornada em si. Presumimos que ela vai ser cheia de sorrisos, gargalhadas e diversão. E ela passa longe disso. A jornada, qualquer uma que seja, tem muita merda, muito sofrimento e momentos não gostosos.
O segundo é que toda jornada precisa de um final, se não viramos andarilhos sem rumo. E se a felicidade for essa linha de chegada o que vem depois? Viveremos felizes para sempre ou estaremos esperando “a dor, o trauma e a perda”? Se felicidade fosse algo perene, Lauda estaria certo mais uma vez. Porém, o estado de “felicidade” é efêmero. Ninguém consegue viver feliz o tempo todo. E isso dá uma angústia danada.

Lauda poderia estar falando das suas conquistas e do sentimento relacionado. Esportistas em alto nível dizem que mais difícil do que chegar no topo é manter-se lá. Mas a felicidade de conquistar um título é efêmera. No dia seguinte, você precisa acordar e começar tudo de novo, se estiver disposto.

Ter consciência dessa finitude é o que me faz gostar dessa tirinha do Oatmeal. Ele diz que não é feliz e isso não significa que ele seja infeliz. Ele é outras várias coisas: interessado, ocupado, fascinado, mas não feliz. E tudo bem. Talvez a gente devesse buscar outra coisa ao invés da felicidade.

Quem sabe paz? É mais perene, envolver trabalhar o que nos perturba e resolver as coisas que nos incomodam. Meditação pode ajudar, o estoicismo pode ajudar, a mão na massa ajuda. Não significa que seja fácil, afinal a jornada continua sendo aterrorizante e cheia de desafios, independente da linha de chegada.

A minha finada (?) carteira de músico.
A minha finada (?) carteira de músico.

A minha carteira de músico

(Pela milésima vez, estou tentando zerar os rascunhos do blog. Tenham paciência comigo)

Toda vez que preciso pegar meu passaporte sempre acabo passando por um outro pedaço de papel dentro da pastinha de plástico azul com o nome “Documentos”: minha carteira de músico.

Eu tenho três sentimentos sempre que vejo essa carteira: graça, saudosismo e surpresa. Graça ao ver a foto mais sem sentido do mundo, saudosismo porque foi uma época curiosa da minha vida e surpresa por ainda não entender como esse documento te valida como músico. A graça vai fazer sentido no final do post. Vou começar com o saudosismo.

Saudosismo

Entre 2004 e 2008, eu toquei em uma banda de pop chamada Balboa. Foram anos que me deram muita experiência no ofício: seja tocar para zero pessoas numa tarde de domingo ou para três mil na abertura do Festival de Cinema de Tiradentes. Também gravamos um disco, um EP e algumas demos, nos divertimos, passamos raiva, enfim. A minha história com o Balboa também dá um post próprio. O ponto é que tocamos em todo tipo de boteco que vocês podem imaginar em Belo Horizonte e nunca nem ouvíamos falar da obrigatoriedade da carteira de músico.

O Balboa no primeiro show do Hard Rock Cafe, em Belo Horizonte. Julho de 2006.

Porém, em julho de 2006, conseguimos um show importante no finado Hard Rock Cafe. Lá não tinha conversa, a carteira de músico era obrigatória. Eu havia acabado de chegar do meu mochilão na Europa e, se não me engano, durante o tempo que estive fora, o resto da banda já tinha conseguido suas carteiras. No dia que precisei fazer a minha, saí de casa em cima da hora, passei correndo em uma loja de fotografia para fazer a foto 3×4 e atravessei a cidade em desabalada carreira para fazer a prova prática.

Chego na Ordem dos Músicos mais tenso do que quando fui defender a minha monografia. Pra mim, aquela prova era tão importante quanto, sei lá, negociar os termos da Convenção de Genebra. Eu não tinha a menor ideia do que iria acontecer na prova. Não sabia se eu ia precisar ler alguma coisa, se eles pediriam rudimentos ou ritmos que eu não saberia tocar. Me chamam, eu entro. O diálogo foi mais ou menos assim:

– Tudo bem? – perguntou a moça.

Eu tremendo feito vara verde.
– Tudo.

– O que você toca?

– Ah, eu tenho uma banda de pop – eu respondi ainda tremendo. – Toco Jota Quest, Sandra de Sá, Tim Maia…

– Então toca pra gente aí.

Juro, com “Olhos Coloridos” na cabeça, eu devo ter tocado dois compassos do groove mais básico do mundo. No meio, a moça me interrompeu dizendo: “Beleza, tá aprovado!”.

Eu fiquei com uma cara de “é sério? É só isso?”.

Era. Eu havia me tornado um músico profissional, validado por uma prova mequetrefe. Sabem quantas vezes eu precisei desse documento? Uma única vez. Estava embarcando no Aeroporto da Pampulha e esqueci minha carteira de motorista. Por sorte, a carteira da ordem dos músicos estava na mochila. Nunca precisei apresentar em um show, nunca me pediram pra nada.

Surpresa

A partir daqui, entenda isso como uma reflexão. Hoje eu não sei qual é a obrigatoriedade da carteira de músico e nem se ela é necessária para as pessoas se apresentarem. A prova da Ordem dos Músicos nunca serviu como um atestado de proficiência musical ou uma maneira de proteger a sociedade do mau exercício da profissão. Ela era uma forma de fazer reserva de mercado.

Pensem comigo, não sei dizer quais são ou seriam os requisitos técnicos e/ou sociais para ser um músico profissional, mas sei que não cumpria nem metade deles em 2006. E ainda assim, são necessidades diferentes para pessoas diferentes. Se a pessoa vive da música, ela é profissional. Se ela vai ser boa no ofício ou não, aí é outra conversa. Estamos falando de uma arte e profissão que tem elementos objetivos e subjetivos e que permite infinitas maneiras de aprender e se desenvolver.

Tocar meia dúzia de compassos de “Olhos Coloridos” não atestou nada além de conseguir tocar “Olhos Coloridos”. 😉

Graça

Finalmente, a graça. Como disse, chego correndo na loja de fotografia. Segurava um paletó, uma camisa e uma gravata, elementos obrigatórios para a foto da carteira. Em 2006, eu não tinha a menor ideia de como dar um nó de gravata. Coloquei a camisa por cima da camiseta, abotoei só dois ou três botões. Um sujeito que estava lá me ajudou com a gravata. Fiz a foto. O resultado foi esse aí:

A minha finada (?) carteira de músico.

O baterista popular com o cabelo mais desgrenhado do Brasil. 🙂

Esse que vos escreve fazendo um squat clean durante o 19.2. Foto de Francine Piovesan.
Esse que vos escreve fazendo um squat clean durante o 19.2. Foto de Francine Piovesan.

Cave fundo (Ou: O que o crossfit me ensinou sobre persistir)

Vou acelerar a história. Há 16 bilhões de anos aconteceu o Big Bang, há 4,5 bilhões de anos a Terra começou a ser formada e em um dia em outubro de 2016, vi que havia uma academia e um pneu de trator naquele lugar na porta de casa que outrora havíamos feito aulas de boxe. “Pneus de trator em academia significam uma coisa”, pensei. Parei o carro, desci a rua, e confirmei o que imaginava. Era um box de crossfit. Resolvemos dar uma chance.

O ponto é que, dois anos e pouco depois, estamos lá firmes e fortes. Sem antes quebrar a cara. Eu era daqueles que fazia pouco caso do Crossfit, zoava o fato dos praticantes tornarem-se pessoas de uma conversa só. Lembro de passar perto de outro box vizinho ao nosso e ver um pessoal correndo segurando as famosas med balls, aquelas bolas de couro com areia e que pesam uns 10 quilos. “Se alguém me mandar fazer isso, vou dizer ‘nem fodendo’ e saio desse lugar”. No dia seguinte, estava correndo e fazendo a mesma coisa.

Eu poderia falar muito sobre as pessoas que dividem o box e os exercícios comigo: têm múltiplos assuntos, são camaradas e se ajudam. E se por um acaso falam de um tema só, é compreensível. Eu não imaginava que iria aprender técnicas de subida de corda ou movimentos de levantamento de peso olímpico depois dos 30. Eu falo de lifelong learning, aprender durante toda a vida, mas não percebo quando estou fazendo. Casa de ferreiro, espeto de pau. As relações humanas e a aprendizagem no Crossfit serão motivos para um outro post.

Vou falar da outra coisa que aprendi no Crossfit Vila Madá: cavar fundo. Persistir em alguma coisa, ir em um lugar que eu nunca tinha ido antes e tentar achar alguma calma lá. Pra isso, vou roubar a definição da Jennifer Gonzalez, que encerrou o SXSW EDU esse ano.

“Quando estamos fazendo alguma coisa que vale a pena, mas que é difícil, quase sempre vamos chegar num ponto onde a gente quer desistir. Chega disso, vamos voltar pra onde estavámos antes, porque isso está difícil demais”. Segundo ela, essa é aquela hora que somos testados e que nos obriga a buscar algo dentro de nós que não sabíamos que estava lá. É quando cavamos fundo. Essa parte começa em 39:20. Continuo depois do vídeo.

(Antes de mais nada, méritos pra Jennifer. Ela conseguiu falar sobre crossfit no fechamento de uma palestra sobre as razões que levam as escolas a prosperarem).

Caraminholas

Mas o ponto importante começa quando ela fala do seu treinador, Steven. A pessoa mais doce do mundo fora dos exercícios e que dá tudo quando está dentro deles. Lá no Vila Madá, vejo isso no Conrado, no Lucas, na Brunna, na Marina, na Letícia, na Carol, no Ítalo, a lista é longa. Possivelmente o Steven ficaria no chinelo quando o assunto é se entregar e ter o controle da situação.

Porque eu, cético e cabeça dura como sempre fui, fazia pouco caso dessas conversas sobre força de vontade, controle mental e etc. Porque muitas vezes isso é vendido como “basta você querer e tudo acontece”, sem considerar as variáveis externas. Não é isso.

No crossfit, muitas vezes o que passa na sua cabeça acaba sendo o maior limitante do quão longe você consegue ir. Percebam, não estou falando em olhar uma barra com 150kg e falar “eu consigo subir isso acima da minha cabeça”. Eu não sou forte o suficiente para isso. Estou falando de olhar um exercício de 20 minutos com cargas aceitáveis e não querer desistir no meio. É saber qual é o ritmo necessário para chegar até o final. Numa boa, isso faz parte de uma jornada de autoconhecimento e precisei entender isso praticando um esporte.

O meu exemplo esportivo recente

Durante o Open, tive dois momentos que me mostraram como estou aprendendo a cavar fundo e achar esses lugares sombrios. Para quem não conhece o esporte, o Open é a primeira fase do Crossfit Games e tem esse nome porque é… aberto para todos os praticantes. É uma forma ótima de você se desafiar e saber como está.

O primeiro momento aconteceu durante o 19.2, um exercício que era dividido em cinco partes. Achei que ficaria no meio da terceira, cheguei no finalzinho da quarta. Cada vez que avançava, entendia que estava chegando em um lugar fundo.

O segundo momento foi no 19.5, o último do Open. Nele, eu repeti o exercício sabendo que era uma má ideia. Ia doer, ia me deixar enjoado, são movimentos que não gosto. Mas exatamente por saber disso tudo, consegui avançar mais do que o meu objetivo.

Pra terminar

Acho que somos programados para querer desistir no meio das coisas difíceis. Acontece comigo regularmente, especialmente com as várias distrações do mundo moderno. Esse texto é um exemplo. Porém, precisamos ficar confortáveis com o cavar fundo para fazer as coisas avançarem.

Conseguir transpor esse conhecimento para fora do crossfit tem me ajudado bastante. Mudanças não são simples. As de comportamento então, são duas vezes mais complexas. Deslizes acontecem. Eu ainda desisto no meio de um exercício e no meio de um texto. Mas faz parte

É preciso persistir até para cavar fundo e visitar nossos lugares sombrios, não é?

 

Pilar, João Paulo, Cleuza e eu durante o nosso painel.
Pilar, João Paulo, Cleuza e eu durante o nosso painel.

Sobre pertencimento, autoconfiança, Austin e SXSW

Esse é um post sobre o que vi e vivi no SXSW esse ano. Na semana que vem, vou publicar algumas coisas no blog da 42formas sobre os aprendizados, tendências e afins.


Esse texto demorou pra sair. Fui e voltei nele diversas vezes, tentando ser justo comigo mesmo nos sentimentos todos que passei nos dias em Austin. Vou para lá desde 2016, é meu quarto ano seguido de SXSW EDU e SXSW Interactive e essa foi a experiência mais rica por larga vantagem.

Todo ano, Austin me dá um presente abstrato. Em 2019, eu ainda não consegui definir se o presente foi “pertencimento” ou “autoconfiança”. Eu estava lá inteiro, de corpo e alma, e acreditando que estava fazendo o melhor trabalho possível. O Marcos não pode ir, eu ia apresentar um painel com a d. Pilar e a Cleuza, iria moderar uma conversa sobre educação e aprendizagem na Casa Brasil. Sem querer (ou sem perceber), joguei a barra das expectativas lá pra cima. Sem perceber, eu consegui atingir essas expectativas. Vamos lá:

Foram nove transmissões ao vivo no youtube, mais uma boa quantidade de postagens nas redes sociais (obrigado, Studio!). Mais do que as métricas de redes sociais, acho que o mais relevante foi conseguir mostrar um pouco do que estava vendo e conseguir pessoas pra ajudar nessa conversa: Miguel Thompson, Cleuza Repulho, d. Pilar, Edu Valladares, Babi Olivier e Nelsinho Santos. Cada um com seu ponto de vista e vivências do SXSW.

Pilar, João Paulo, Cleuza e eu durante o nosso painel.

A nossa sessão foi um sucesso. Cleuza e Pilar, com a ajuda do João Paulo Connolly na tradução consecutiva, conseguiram falar sobre as políticas de educação pública no Brasil. A sala não estava cheia, mas o objetivo era entregar o melhor conteúdo possível para quem estava lá. Foi a nossa contribuição sobre experiência e diversidade para um evento que eu tenho um carinho enorme. O bônus era não passar mal no palco. Consegui as duas coisas. Toda essa experiência merece um post próprio, mas dividir um palco com minha mãe foi uma coisa incrível.

 

Eu, Marcelo Gluz, Conrado Schlochauer e Vahid Sherafat.

A mediação na Casa Brasil foi uma das coisas mais legais que eu tive a chance de fazer. Eu, Marcelo Gluz, Vahid Sherafat e Conrado Schlochauer conversamos sobre educação, aprendizagem e edtechs (ou learntechs, como o Conrado gosta de falar). Mais do que isso, como discutir esses assuntos pensando no Brasil e nas imensas diferenças sociais e culturais que temos. Teve bom público, que contribuiu com boas perguntas. Cada vez mais tenho a certeza de quero facilitar conversas, mediar discussões e conectar ideias. Fica bem mais fácil quando você divide o momento com gente inteligente.

Depois de quatro anos, eu aprendi a conversar com desconhecidos, juntar gente que não se conhece, saber como a dinâmica dessas relações funcionam lá em Austin. É mais um passo no processo de libertação de umas afirmações doidas que coloco na cabeça: “sou tímido”, “não sei falar em público”, “vou falar bobagem”.

Quanta besteira. Quem me viu dançando “Proud Mary” no palco do Pete’s não ia acreditar nessas coisas, como eu não acreditaria que eu poderia subir nesse palco. Estava dançando com amigos e amigas, a banda possivelmente viu e perguntou quem sabia a coreografia da música. Aparentemente, só eu. E pelas metades. Mas fui lá mostrar e a Juliana Wallauer fez o favor de registrar. 🙂

https://twitter.com/jwallauer/status/1105307228985348096?s=08

Falando em amigos e amigas, eis aqui o presente concreto de Austin em 2019: as pessoas incríveis que conheci. Em um cenário onde você fica sozinho e cercado de gente ao mesmo tempo, as pessoas que te cercam são super importantes para te ajudar a entender aquela massa de conteúdo, trazer uma nova perspectiva pro que foi visto no dia ou simplesmente falar bobagem bebendo qualquer coisa no fim do dia.

No entanto, Austin nunca é um passeio no parque. Do mesmo jeito que eu ganho coisas da cidade e do festival, acabo deixando um pouco de mim lá. Varias sessões e situações pareciam ser feitos pros meus dilemas e questionamentos: como o mundo chegou nesse ponto, o isolamento social e a proximidade digital, essa mania de usar a régua dos outros. Fiquei no fio da navalha emocional, encerrei a última live antes da hora porque o choro já passava da garganta.

Talvez seja uma coisa boba falar de choro, mas essa emoção tem a ver com a relação que estabeleci com o festival. Todo ano é assim, intenso, e acho que tudo bem. A in-ten-si-da-de de 2019 pode ter sido maior por conta de tudo que escrevi acima, pelo alívio de ter conseguido entregar o proposto, por ter conhecido e conectado um tanto de gente, tentar absorver tudo o que vi e ouvi.

E, pra terminar, de todas as pessoas queridas que estavam lá, uma em especial me deixou particularmente feliz: o Diego Mancini. Além de ser um dos músicos mais talentosos que conheço, ele é um grande amigo, um dos melhores. Tocamos juntos quando eu ainda morava em BH. Em 2009, juntou coragem e foi estudar na Los Angeles Music Academy, eu me mudei pra São Paulo no ano seguinte e cada um seguiu sua história, seus perrengues e conquistas.

Diego estava lá para tocar com a Fernanda Takai. Logo antes do show, no Driskill Hotel, me deu um abraço super apertado e falou que tava muito orgulhoso de mim, porque viu todo pedacinho da construção que me levou pra lá. Eu sentia a mesma coisa, mas não consegui dizer nada, só que estava orgulhoso dele também. Os olhos estavam marejados e o soluço já estava pronto. Por teimosia e ignorância, eu tinha certeza que ficaríamos com os pés enraizados no chão de minério de ferro de Belo Horizonte. Por pertencimento e autoconfiança, olha onde a gente estava se abraçando agora.

Cada jornada é pessoal e eu acho que Austin foi mais um degrau pra onde quero estar, pro que acredito e para a minha realização. Seguimos!

Qual é a sua?

Esse ano eu escrevi muito pouco aqui. Tem uns posts espaçados, tem vários outros pedaços de texto morando na aba “Rascunhos”: sobre a vida, sobre política, sobre trabalho. Um bando de coisas que ficaram pela metade na correria da vida. Em alguns momentos, comecei a escrever só pra não perder a ideia, em outros, me perdia na ideia e achava melhor continuar depois. Mas na maioria das vezes, eu achava que o material estava uma bosta, que as pessoas não iam gostar, que seria exposição gratuita.

É difícil saber o que essa “correria da vida” significa. Pode ser que estamos sendo engolidos pelo cotidiano, pode ser desculpa para não sair de casa. Pode ser a desculpa para algo abstrato. No meu caso, um pouco de tudo. A abstração foi tentar entender “qual é a minha?”

Não raro, minhas sessões de análise em 2018 foram para tentar entender porque me meço pela régua dos outros, porque vejo tudo o que eu faço pelo olhar dos outros e o quanto isso me impediu de andar pra frente.

É a segunda temporada daquela história das conversas difíceis que falei no fim do ano passado. Descobrir “qual é a minha” está sendo uma conversa difícil e que tem trazido alguns avanços.

Passa por correr um pouco de risco, ser mais seguro das escolhas e mostrar mais o meu trabalho, dentro e fora da 42formas. Pra mim, isso vem com uma dose de egoísmo, do tipo “não interessa o que os outros pensem, eu fui lá e fiz”.

E fiz coisas, sem dúvida nenhuma. Em 2018, eu:

Participei pela primeira vez do Crossfit Open. Cinco semanas de exercícios do capiroto. Mais do que me expor em uma “competição” ainda tive que juntar coragem e fazer o 18.3 em Austin. Eu que nunca tinha pisado num box sem ser o Vila Madá, precisei achar um box fora do Brasil. Era mais importante enfrentar esse medo do que não fazer um dos exercícios.

Fiquei em último no ranking masculino do meu box e também na rabeira do quadro mundial, mas não teve a menor importância. Descobri que praticar esse esporte tem sido fundamental para entender como minha cabeça funciona. De quebra, conheci pessoas incríveis e que sempre estão dispostas a ajudar.

Consegui colocar uma palestra no SXSW. Depois de três anos participando, juntei coragem, pessoas boas do meu lado e consegui aprovar a minha proposta de painel. Pra quem morria de medo de se expor, tá aí uma vitória.

Entendi a minha relação com o Instagram. E com quem eu sou, no geral. Foi onde comecei a entender como dou excessiva importância para o olhar do outro sobre mim mesmo. Coloquei as coisas nas caixinhas, entendi que a comparação é a ladra da alegria e que é possível ser menos duro com nós mesmos.

Fui mestre de cerimônias no Roadsec. Resolvi ser o cara de humanas num evento de hacking e segurança da informação. Eu não tenho nem palavras para agradecer a confiança da turma da Flipside no meu trabalho. Foi uma experiência super divertida e completamente fora da zona de conforto e que estou louco para fazer de novo.

A 42formas cresceu e venci alguns medos. Tivemos um terceiro par de mãos na firma, primeiro com o Caco, depois com a Isa. Entregamos alguns projetos super legais, passamos outros perrengues e eu superei o medo de cobrir o Marcos durante sua licença paternidade. Cada um é um e isso não significa que um seja melhor do que o outro. Demorei para sacar isso, estava cheio de medos e achando que o mundo ia acabar durante esse período. Quando vi, já estava acontecendo e não doeu.

A música me trouxe muitos aprendizados além da música em si. Sobre mim, sobre as dinâmicas de grupo, sobre feedbacks.

Eu me redescobri em 2018, tenho aprendido a olhar pra dentro e também tenho a certeza de que eu não ando só. A gente é também a soma das pessoas que estão ao nosso redor e que nos dão a chance de aprender com elas. Esse ano foi uma prova disso também.

Sei que 2019 não vai ser um ano fácil. A conjuntura do país vai pedir muita calma e uma dose de fé, mas não dá pra perder as esperanças e desistir. Eu quero fazer o melhor possível, saber fato qual é a minha. Acho que vou conseguir.

Feliz ano novo!

(Perdão pela falta de links e fotos. Escrever no celular não é fácil!)