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Emoções e a complexidade do momento

Para papais e mamães, uma reflexão.

Com 36 dias de paternidade, eu achava que a definição de “tarefa complexa” era colocar o Samuel para dormir. Era uma “tarefa complexa” no nível “possível de ser usada como exemplo em palestras e facilitações”.

À época, escrevi: “É um misto de arte, improviso, racionalidade e lógica. Ao mesmo tempo, você nunca está necessariamente preparado para lidar com as infinitas possibilidades e desafios para a personalização do sono”. Não estava e não estou errado.

(Relembrando: Tarefas complexas não podem ser concluídas seguindo uma receita, um conjunto de instruções ou mesmo uma lista extensa de regras e regulamentos.)

Agora, no dia 476, estou mais acostumado com a tarefa acima e explorando a próxima fronteira da complexidade: entender e responder à gama de reações, formações e expressões de sentimentos de um rapaz de 15 meses de idade. A famosa regulação emocional, onde o Samuel está aprendendo a lidar com suas emoções básicas, é também um convite para nós, adultos, revisitarmos como lidamos com as nossas emoções e reações.

Porque perder a paciência (e a razão) é fácil quando somos “provocados”. Seja numa reunião de trabalho, em uma discussão ou em uma birra. Com a diferença que na birra, a criança não te provocou conscientemente, por isso as aspas. E de novo, é fácil e tentador responder a birra com birra. E o meu cansaço/sono/dilemas da vida adulta podem ser catalisadores dessa resposta, mas isso não vai ajudar ou resolver o problema.

O desafio é praticar a calma e o estado zen em meio ao caos, seja ele causado pelo sono (complexidade em cima de complexidade), por algum incômodo onde a única forma de comunicação é o choro, ou simplesmente porque a curiosidade e a criatividade do neném foram tolhidas.

Nesse ponto, aprendo bastante com a Carol e suas frases. “Filho, eu sei que você está frustrado, mas é preciso comer”, “Samuel, não vamos fazer isso agora”, “Sei que você quer entrar aí, mas é perigoso pra você”. No médio e longo prazo vai valer a pena. 🙂

É cansativo? É. Dá trabalho? Com certeza. Mas penso que faz mais sentido curtir e aprender com a complexidade atual, ao invés de querer descobrir ou prever qual será a próxima nesse marzão de surpresas chamada parentalidade.

 


 

PS: esse texto saiu com relativa facilidade porque experimentei o método descrito pela Lindy Elkins-Tanton em seu artigo Getting Over Procrastination and Making Joyful Progress on Your Project (“Superando a Procrastinação e Fazendo Progresso Prazeroso no Seu Projeto”). Os 10 minutos de escrita foram sem amarras, edições ou julgamentos. Ajustei e repeti. Deu certo.

Carregando água na peneira

Há alguns dias, estive em Brasília acompanhando uma reunião de formadores do SESI. No meio da reunião, fui surpreendido por um poema do Manoel de Barros: “O menino que carregava água na peneira“. É ele falando sobre ele mesmo e também sobre criar, sobre imaginar e sobre escrever.

(…)

Com o tempo aquele menino
que era cismado e esquisito,
porque gostava de carregar água na peneira.
Com o tempo descobriu que
escrever seria o mesmo
que carregar água na peneira.

(…)

Fui surpreendido porque não esperava que Manoel aparecesse ali, de maneira tão sensível em uma formação. Ele tem aparecido bem mais na minha terapia ao ponto de eu comentar com a Fátima, minha psicóloga, que vou abrir uma espacinho para ele junto do Prince, do Gilberto Gil e do Dave Matthews no final da frase “para todas as coisas”.

Na hora que ouvi o poema e vi a reação das pessoas, meus olhos ficaram que nem estão agora: marejados. Olhei pra mim também, porque estou tentando carregar mais água na peneira. Estou fazendo isso como uma descoberta, como um processo de cura.

Cura da depressão, se me permitem a licença poética. Cura dos pensamentos horríveis que ocupam a minha cabeça toda vez que leio as notícias, ou quando percebo o quanto maluco tem sido o meu ano de 2024, ou quando entro na corrida imaginária da comparação.

Preciso escrever e criar mais. Parar com os arroubos de autodepreciação – “fui formalmente treinado para isso”- quando alguém me diz que gostou de um texto. O “obrigado” funciona na medida. Porém, fazer essa escrita com mais intenção.

Criei esse blog há 22 anos, muito inspirado por pessoas incríveis que trabalhavam comigo e que eu achava o máximo. Virou meu depósito de registros na transição da adolescência para a vida adulta. Porém, relendo alguns textos bem antigos, eu não tenho a menor ideia do que eu estava falando. Por que esse medo todo de expor os sentimentos?

Carregar água na peneira é também organizar e expressar os sentimentos de uma melhor forma. Um dia, eu vou ler o que escrevi há 20 anos e vai ser legal saber que eu estava lutando contra uma depressão pesada e venci. Sem precisar ficar pensando se estava chorando um coração partido ou era só uma forma bizarra de escrever ficção.

É espalhar as coisas da cabeça nos espaços vazios do caderno, tal qual a água quando passa pelas tramas. Sentir, dar espaço para o novo e tentar achar alguma paz no meio do turbilhão dos dilemas, despropósitos e peraltagens.

 

Baby Steps

A versão 1.2 do Samuel veio com uma nova e importante funcionalidade: andar sozinho.

Ele já caminhava segurando com firmeza os dedos dos adultos. E isso deixou duas atividades matutinas mais divertidas: comprar pão e levar Stella, a whippet, para passar o dia no pet shop. Saímos do prédio, atravessamos a rua, “pouso” o rapaz na calçada seguinte e vamos caminhando lentamente. A mãozinha direita nos meus dedos esquerdos, a mãozinha esquerda apontando os “Cá”(rros), as “Mó”(tos), os “Au-aus” (cachorros, só para manter o padrão da escrita) que passam pela rua e cumprimentando as pessoas, porque Samuel é um boa praça.

Há quase duas semanas, no entanto, ele decidiu que consegue caminhar sem precisar segurar nossos dedos. Sozinho, sai caminhando pela casa com os bracinhos pra cima. “Como um corredor prestes a ganhar a maratona”, disse o Celinho no grupo de whatsapp dos amigos de escola. Um pouco de independência, folga para os braços e coluna dos adultos e confiança no processo. Algo mágico vai proteger sua cabeça das quedas e esbarrões.

Os passeios da manhã continuam seguem o mesmo procedimento, com a diferença que deixo ele caminhar pelo hall e corredor do prédio. Na rua, andar de mãos dadas é imperativo e continuará sendo pelos próximos anos. Mas isso não impede, no entanto, de termos algumas surpresas no caminho.

Outro dia, voltando da padaria, ele ficou encantado com a fonte do prédio da esquina. Parou de andar, apontou para para o topo enquanto falava “áua, áua” e foi se aproximando de mim, pedindo colo para ver a fonte mais de perto.

No dia seguinte, enquanto voltava do pet shop, tentou se desvencilhar da minha mão para dar um rolê no supermercado. Não deixei, ele reclamou e começou a chorar. 30 segundos depois, ficou ainda mais bravo quando peguei ele no colo. Ele queria atravessar a rua caminhando.

Se eu levar em consideração o meu histórico, é provável que ouvirei do Samuel exatamente o que falava para meus pais quando era contrariado aos cinco anos de idade. “Nunca mais vou ao shopping com vocês! Nunca mais saio para tomar sorvete com vocês”.

Um lembrete pra mim mesmo sobre como é desafiador aprender (e ensinar) sobre expressão de sentimentos. Um passinho de cada vez.