Sobre 2024

31 de dezembro de 2024
Posted in Divagações
31 de dezembro de 2024 Felipe

Sobre 2024

Esse não foi um texto fácil de ser escrito, porque estou falando do ano mais maluco da minha vida. Fiquei tentado em escrever só sobre as coisas ruins, mas seria injusto comigo, com quem me apoia e com quem lê esse espaço. Então, começa meio esquisito, mas depois melhora, eu prometo.

No lado ruim: vou lembrar de 2024 como o ano das recusas e das rejeições. Fui demitido duas vezes, fui recusado em um evento internacional que tenho um carinho tremendo, recebi um “não” silencioso (porém sonoro) e que ainda dói, vi pessoas partindo cedo demais.

Em termos práticos, se eu tivesse cuidado antes da saúde mental, poderia ter evitado a segunda demissão. De resto, não havia nada que eu pudesse fazer – em nenhuma circunstância – para reverter o que aconteceu: não comando orçamentos organizacionais e questões políticas e eu não controlo a natureza.

(Meus sonhos, no entanto, me falam o contrário: tudo está sob minha responsabilidade e não sou bom o suficiente. Em um recente, eu estava parado e uma fila de amigos e familiares passava por mim dizendo que sou legal, mas que preferem a pessoa x ou y para fazer qualquer tarefa.)

Minha cabeça deu ruim em agosto. O burnout foi catalisado por um quadro de depressão que estava deixando em segundo plano, afinal tinha outras prioridades na vida. Quando tomei ação, leia-se ida ao psiquiatra, medicação e volta para a terapia, já era tarde demais do ponto de vista profissional. Lembro de uma reunião específica, talvez uma semana antes do último dia, onde eu não consegui falar uma palavra e não entendia o que estava sendo dito, quase como o Charlie Brown na sala de aula.

Pifei.

E a saúde mental em frangalhos traz uma carreta de sentimentos: raiva, baixa auto-estima, desdém, silêncio, inércia. A vontade era de cavar e morar em um buraco, para dar menos trabalho para quem convive comigo, para não precisar falar dos meus sentimentos e medos. Morar num buraco parece bom para o tempo passar sem que eu lide com a pressão e o peso do mundo. Tenho limitado a minha exposição aos sites de notícias, porque ler as mazelas tem me feito mal.

Em grande parte do ano, me senti uma pessoa, um marido, um pai, um filho, um irmão e um amigo abaixo da crítica.

E fim, o texto poderia acabar aqui. Mas não vai. Afinal, continuei caminhando, “carregando água na peneira“.

Com o apoio da medicação, da terapia e de muita conversa em casa, comecei a entender e transformar algumas coisas. Primeiro, entender que do fundo do buraco, eu não vejo o que está acontecendo aqui em cima. E eu quero estar aqui em cima, compartilhando o que observo e crio. O medo da exposição já não é mais um medo.

Lancei minha loja de fotos, dessa vez pra valer. Tirei outro projeto da cabeça, o “Jam Sessions & Colabs“, um podcast para falar de prática artística. Fiz o que deu em 2024 e estou animado com o ano vindouro. Mesmo não sendo na quantidade e tempo que eu queria, pude participar de algumas edições do podcast “A Voz do Conhecimento“, conhecendo e entrevistando pessoas muito legais.

Tenho escrito mais e aparecido mais por aqui para falar do Samuel, que aos 16 meses de idade, é um rapaz que está descobrindo o mundo, enquanto eu me descubro como pai e registro a construção da nossa relação. E existe uma aura especial na primeira festa de aniversário dos filhos, é impressionante.

Fiz dois shows muito simbólicos esse ano. Em julho, depois de 15 anos, toquei novamente com Rodrigo Borges e Marcelo Bizzotto, meus amigos desde o pré-primário, no aniversário de 70 anos do Geraldo Borges. Fizemos um ensaio de 40 minutos no dia do show e nos apresentamos com toda a confiança do mundo.

E em agosto, junto com Luciano Vieira, André Rosa, Thiago Ceconi, Gustavo Ribeiro e Pedro Almeida, meus amigos da Prática de Banda, fizemos outra linda apresentação. Os ensaios das terças são um momento de desabafo, conexão e expressão.

Artisticamente falando, 2024 foi um ano de nítidas evoluções. Fazia tempo que não percebia isso.

Segundo, estar aqui em cima é falar abertamente sobre saúde mental e meus outros medos, tirando da cabeça e colocando pro mundo os meus sentimentos sobre os temas. E isso também tem a ver com a experiência e o trauma da bolinha de golfe que morava na minha cabeça. Achei que estava tudo resolvido, mas ainda há muito o que falar. A partida do Bruno Guedes me deixou triste, ao passo que me senti reenergizado ao poder compartilhar minha experiência com um rapaz de Pernambuco que passou por um diagnóstico e uma cirurgia muito similares.

Estar aqui em cima é também agradecer e reconhecer a sorte de dividir a vida com a Carol e com a família e os amigos e amigas que tenho. É aprender a me olhar da forma como eles olham para mim. E entender esse carinho e ternura como oportunidade para reconstruir conexões.

O ano de 2025 começa com grandes metas, tipo arrumar um trabalho, e grandes mudanças, inclusive geográficas. Vou caminhar confiante, sem muita pressa. E olhando para 2024 com um olhar de aprendizado, não de derrota. Sem ser ingênuo, e sim realista.

Vamos que vamos.

(Foto feita em dezembro de 2024 no Retiro das Pedras)

Comments (6)

  1. Fabio

    Carregar água na peneira é uma arte que poucos dominam e você dominou. Num mundo que ceifa nossa imaginação em todas as áreas você recorreu a arte e a fala como instrumentos importantes para driblar os perrengues que foram seus, mas tb foram impostos por esse mundo louco.
    Que bom que chegou aqui e que projeta 2025 com novos horizontes (sobre horizonte to assimilando).
    Um feliz 2025 e tô aqui.

    • Paula

      Felipe, eu gosto muito dessa metáfora da água na peneira, principalmente porque você soube direcionar a água para realizações e práticas com as quais se identifica e gosta, e isso é muito bacana. Outra que eu gosto muito e meu pai falava, é que para sair do buraco a gente tem que parar de cavar, em outras palavras, para mim isso quer dizer: entender o começo e o meio das situações para buscar um caminho. Um bom ano, um ano potente em caminhos, oportunidades, aprendizados para você! Feliz 2025!

  2. Pilar lacerda

    Comentário de mãe é sempre suspeito, mas admiro sua maneira de se colocar no mundo e da sua transparência sentimental. Conte comigo!

  3. Cleuza Repulho

    Felipe admiro de mais a forma como vc escreve, me vejo demais em alguns momentos! A água é a peneira foram demais. Segue, se trate e peça ajuda sempre. Já deu certo!!! Feliz 2025

  4. Marcos Arthur

    Meu caro, antes de tudo, é um privilégio tê-lo como amigo, assim como também foi tê-lo como sócio. Digo isso porque se eu estivesse na sua fila da vida real, o escolheria para muitas coisas, pessoal ou profissionalmente. Sinto profunda empatia pelas suas angústias, que muitas vezes são as mesmas minhas. É difícil caminhar neste mundo em que os nossos valores são tão esmagados pela vida prática, muitas vezes tendo que ser levada na base da sobrevivência. Tamo junto, irmão, e eu sempre torcendo por você e apoiando como puder. Um abraço forte.

  5. José Roberto Marzullo

    Felipe,
    Enquanto lia eu me lembrava de uma frase da Clarice Lispector
    “Umas das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de. Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve morrer. Inclusive muitas vezes é o próprio apesar de que nos empurra para frente. Foi o apesar de que me deu uma angústia que insatisfeita foi a criadora da minha própria vida”.

    Apesar de tudo vá em frente…..

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