A lama e a cortesia mineira

29 de dezembro de 2024
Posted in Divagações
29 de dezembro de 2024 Felipe

A lama e a cortesia mineira

Mesmo sendo das Minas Gerais, confesso que ainda me espanto com a solicitude mineira, especialmente quando e onde menos esperamos.

No sábado passado, 22/12, eu, Carol, Samuel e Stella saímos cedo de São Paulo para Belo Horizonte, com o carro entupido de coisas e o coração e a mente também entupidos da vã esperança de encontrar uma Fernão Dias vazia. Ledo engano.

Demoramos cinco horas para andar 150 quilômetros, com muito congestionamento já em Mairiporã. Isso já dava a tônica da viagem. E em determinado momento, já próximos da cidade de Campanha, resolvemos fugir do trânsito da rodovia para entrar na cidade e comprar um remédio para Carol, que estava explodindo de dor de cabeça. O Google Maps havia sugerido um desvio por uma estrada de terra. Em uma bifurcação, peguei a saída da esquerda, tentei enfrentar uma subida enlameada e não consegui. Retornei com cuidado e quando estávamos próximos do asfalto, apareceu o primeiro exemplo da solicitude mineira.

Cruzamos com uma pessoa que morava na região, que me indicou o caminho certo, bastava seguir o guia. Na bifurcação, pegamos a saída da direita, seguindo por uma estrada com mais cascalho. Esperamos ele deixar uma encomenda em uma fazenda e íamos bem até o carro engastalhar em outra subida enlameada. O rapaz ainda saiu do carro, tentou nos sugerir um trajeto, porém infrutífero. Agradecemos a ajuda, mas resolvemos voltar para a rodovia.

No caminho da volta, justamente na porta da fazenda, dei um toquinho no freio e o carro caiu na vala.

Eu e Carol nos permitimos um pequeno momento de “e agora, José?” e decidimos ir até a fazenda pedir ajuda. Era a única chance de sair da vala em tempo hábil.

Andei um pouquinho, me apresentei e expliquei a situação para a turma que trabalhava lá. Eles estavam abrindo um porco para fazer um churrasco e a ceia de natal, ou seja, ainda atrapalhei a tarde do sábado.
Na hora, Marcelo, um dos funcionários, se prontificou a ajudar. Entramos na Toyota Hilux da fazenda e voltamos ao ponto onde Carol, Samuel e Stella estavam. Carol assume o volante, amarramos uma corda, Marcelo tenta puxar com a Hilux e o único avanço é na corda, que arrebenta.
“Peraí que vou buscar o trator”, disse Marcelo, embarcando na caminhonete e sumindo da vista. Minutos depois, apareceu a bordo de um trator vermelho, que me fez lembrar do veículo que o vovô Pancho tinha em Arantina.
A própria chegada do trator parecia cena de filme: aparecendo no horizonte, com o reflexo do sol no vidro. Faltou só uma trilha sonora para tudo ficar completo. E tal qual um O fato é que com uma cinta de reboque e o mínimo esforço do trator, nosso carro saiu da vala e pudemos seguir viagem.

Pra nós, era imperativo poder recompensar o esforço do Marcelo de alguma forma. E ele negou de forma enfática. “Fiquem em paz, aproveitem a família e o final de ano. Sigam com Deus“. Foi bonito e foi um alívio para o resto da viagem, que só terminou no dia seguinte. Acabamos passando a noite em Três Corações.

Descrente como estou com a raça humana e nossa capacidade empática, a atitude do primeiro motorista e a disponibilidade do Marcelo serviram como uma gentil lembrança para ainda acreditarmos em nós enquanto espécie. 🙂

, , , , , ,

Comments (3)

  1. Paula

    A última vez que fomos de Campinas para BH de carro foi no Natal de 2017.decidimos sair bem cedinho, 4 da manhã para almoçarmos. Já em MG, felizes com a estrada vazia, pegamos um engarrafamento. Sem sinal de celular,parados por horas porque em um acidente um ônibus tinha pegado fogo. Quando o trânsito começou a fluir, Alexandre falou: liga pra fulano (um conhecido de BH que mora no sul de MG) e pede pra ele uma dica de saída do trânsito. Dito e feito, saímos próximo à uma venda do Chico, conseguimos comer com certa tranquilidade, mas o almoço em bh virou uma jantaram:)

  2. Maria de Salete Silva

    É aí que reside essa linha tênue de esperança nesse espécie.
    Seres humanos empáticos, humanos de verdade, como deveríamos ser.
    Viva o espírito mineiro, onde quer que esteja. Que esteja em nós!

  3. Leandro Orsolini Duarte

    A gentileza e a cortesia das pessoas também têm me deixado incrédulo ultimamente. Mas, talvez não por coincidência, foi em BH que a coisa ficou mais feia (ou bonita, dependendo do ângulo).

    De carro, perdido na cidade, numa era pré-GPS, pedi uma dica a um outro motorista enquanto esperávamos o farol abrir.

    E eis que ele não me deu dica nenhuma, simplesmente falou: “me segue que eu te levo lá”. E levou. E não era assim tão pertim… Surpreendente para os padrões vigentes da humanidade.

    Desde então me autoatribuí a responsabilidade de retribuir essa energia para o universo sempre que alguém precisar. Tenho exercitado menos do que gostaria, no entanto.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *