A capa da edição de agosto da Rolling Stone americana virou motivo de polêmica nos últimos dias nos Estados Unidos e podemos entender perfeitamente. A revista traz um perfil de Dzhokhar “Jahar” Tsarnaev, um dos dois irmãos acusados pelas explosões na Maratona de Boston, em abril deste ano. Jahar foi o que sobreviveu. Seu irmão mais velho, Tamerlan, morreu durante a perseguição policial. Diversos leitores, entre pessoas normais e celebridades, condenaram a escolha. Disseram que ela serve de palco para o jovem. Para se ter ideia, algumas lojas se recusaram a vender a edição.
No entanto, vale dizer que a matéria é uma aula de jornalismo. Escrita pela jornalista Janet Reitman, o texto – todo na primeira pessoa – traça um perfil do rapaz, desde a sua chegada aos Estados Unidos com seus pais, vindos do Quirguistão, aos sete anos de idade, até dias antes do atentado. Fala da sua relação com os amigos, com a comunidade – Cambridge é descrita como uma cidade extremamente progressista – e a guinada da sua vida “normal” para o extremismo, atitude que tem ampla influência do irmão mais velho. São entrevistados amigos, ex-professores, vizinhos. Alguns no anonimato, outros não, mas todos estarrecidos com a situação. É uma matéria que vale a leitura. Sóbria, contextualizada e profunda, como há muito eu não lia.
Falando de longe e sendo cidadão de um país que não tem um histórico consistente de atentados, minha opinião pode não valer nada. Mas a polêmica é justa. Janet tocou em um assunto recente e que ainda está fresco na sociedade. Pior, falou de um sujeito que ainda está vivo e não tinha/tem perfil de um terrorista (coloque aqui todos aqueles clichês). A capa poderia dar um status cult a Jahar e torná-lo um mártir. Basta ver alguns comentários do amigos internautas dos Estados Unidos:
Acho errado fazer dessas pessoas, celebridades. Por que dar a capa da Rolling Stone para esse cara? A TIME deu uma capa para Charles Manson e todas as revistas colocaram fotos dos atiradores de Columbine em suas capas. Não façam mártires dessas pessoas.
Por que não colocar fotos das vítimas do atentado na capa? Uma pena que a Rolling Stone tenha dado ao terrorista exatamente o que ele gostaria de ter: propaganda gratuita para sua causa iludida. Triste.
É o poder da capa, devemos concordar. Grande parte das pessoas sentiu-se ofendida por ela, mesmo sem ler a matéria.
Ainda tem o outro lado. Os editores da revista contemporizaram, e falaram que a motivação da matéria foi o “fato de Dzhokhar Tsarnaev ser jovem e da mesma faixa etária de muito dos nossos leitores”. Completaram afirmando que isso se torna a coisa mais importante para examinar as complexidade do problema e dar um entendimento maior de como uma tragédia desta acontece. O Boston Globe, tradicional publicação da região, também saiu em defesa da capa, ao afirmar que ela não glamouriza Jahar. “Esta edição não deve ser julgada pela capa, mas pela informação que é trazida a público”.
Fico com eles. Devemos valorizar a qualidade da informação que foi publicada. Digna de uma matéria de… capa, por isso a publicação. Fazendo um paralelo com nossa realidade e acontecimentos recentes, a abordagem feita pela jornalista foi sóbria e coerente, sem pautar ou apontar razões para as motivações do atentado. Diferente, por exemplo, da matéria da Veja sobre o tiroteio em Realengo e seu olho* com a seguinte frase “Falávamos sobre jogos de computador. Ele gostava de Counter Strike (jogo de tiros)”. O leitor incauto é induzido a pensar que a culpa de tudo foi o Counter Strike. Seria como Janet Reitman colocar uma frase tipo “a família de Jahar era estranha e ele era muçulmano” na boca de um entrevistado.
Torço para que esta matéria não fique marcada somente pela polêmica e que cause alguma discussão e construção sobre o assunto. E seria legal se a Rolling Stone Brasil – ou qualquer outra publicação – traduzissem para o português. Serviria de referência para muita gente por aqui.
*O olho é um recurso utilizado na diagramação. É colocado no meio da massa de texto, entre colunas, para ressaltar pedaços do texto. É bastante utilizado em entrevistas.