Mais um da série “Companheiros de Viagem”.
Lembro como se fosse ontem do voo que peguei para vir fazer minha entrevista em São Paulo. Era um Fokker 100 e sentei no corredor. Ao meu lado, um sujeito oriental de meia idade. Dou meu boa noite, afivelo meu cinto e começo a leitura logo após o pushback. O avião acelera, começa a correr na pista de Confins e quando as rodas descolam do chão, escuto meu companheiro falar: “17 segundos”. Oi?
“17 segundos”, ele disse. “Foi o tempo que o avião demorou para decolar. Prazer, me chamo fulano de tal”.
Amigos, apresento-lhes o Carente. Ele é o tipo de figura que fala pelos cotovelos, conta sua vida toda e simplesmente ignora qualquer tentativa de encerrar a conversa. Nesse dia em específico, fiquei sabendo que o cara morou no Japão durante duas décadas, era bancário, havia trabalhado com um milhão de coisas, mas havia chegado a hora de voltar para o Brasil. Estava fascinado com o tamanho de Belo Horizonte, achava que era uma grande cidade, “quase igual São Paulo”. Sentia saudade dos amigos japoneses, da organização do país etc e tal, mas reforçava, estava na hora de morar novamente em São Paulo.
Honestamente, até então eu achava que fazer cara de paisagem e soltar “ahams” e “hummm” de maneira genérica resolveria o problema. Me chamem do que for, mas por dentro eu só pensava “Bicho, não estou me importando nem um pouco”. Mas não adiantou. A cara de paisagem só motivou-o a falar ainda mais. Fui salvo pelo serviço de bordo, porque ele se enrolou na hora de pedir a bebida. Foi o fim de 15 minutos de puro desespero e a chance de voltar para a leitura.
Honestamente, esse é um tipo de companheiro que eu não sei como lidar. Tenho medo de ser muito grosso e tenho medo de fazer o papo render. Alguém ai tem alguma sugestão?
Ilustrações por Gabriel Albuquerque.
Carlos Ranniere
Eu já viajei com um carente do lado. Em pouco tempo de conversa fiquei sabendo que ele era boliviano, que já tinha morado em Buenos Aires, Santiago e Lima mas que tinha decidido voltar a viver em Santa Cruz de la Sierra com os pais que tinham idade avançada. Ele gostava de tênis e era fã de Rafa (era assim que ele se referia a Rafael Nadal). Já tinha ido ver três dos quatro Grand Slams (só lhe faltava ir a Wimbledon). No momento ele trabalhava na 3M e estava indo para um treinamento na Suécia.
Sério, isso tudo em no máximo 20 minutos de conversa. E eu só conseguia pensar que a viagem ainda duraria mais 12 horas.
Arthur IV
Um clássico. Aqui vale o mesmo comentário que postei para o companheiro de viagem consultor. Minha estratégia costuma ser o “kit misantropia plus”: fone de ouvido + aparelho sonoro, travesseiro de pescoço e máscara para dormir. Infelizmente, o livro nem sempre funciona. Para esses casos, o smartphone costuma ser um isolante melhor.
Carol
Bem, me recordo da minha última viagem ao lado de uma carente, caso este que tentei vários itens do kit misantropia: revista, mascara pra dormir e música! Por incrível que pareça, a menina continuava falando mesmo comigo vendada!
Voltava de SP pra BH e ao meu lado uma jovem que voltava de Miami e resolveu me contar tudo que havia comprado, o que gostou e desgostou da viagem, que a irmã morava em SP com o marido, e ela com os pais no interior de Minas. Pra fechar, ainda me disse sobre o show que veria com o pai no dia seguinte e me questionou se eu conhecia um salão em BH que podia lavar uma peruca!
Paula
Hahahahaha, lembrei da senhorinha do voo SP/BH… Além do meu kit espanta carente contém palavras cruzadas e, nesse caso, foi só sacar a minha de dentro da bolsa que ela começou a falar. Infelizmente nesse caso minha arma foi a alavanca para o início da conversa. A partir daí não tive mais sossego. Mas, uma pessoa que você conheceu bem, por acaso é meu pai e que viajou muito usava uma técnica muito simples: simplesmente fechar os olhos assim que terminar o processo de acomodação na cadeira. Como ele viajava somente no corredor, era mais fácil ainda, pois enquanto os outros companheiros estavam se acomodando, ele já estava “dormindo”. Às vezes ele até fingia ressonar para não haver a menor possibilidade de contato. Essa é uma técnica que eu uso muito também e funciona, pois tenho o mesmo receio que você, parecer ser grosseira quando na verdade eu não tô a fim de escutar conversa mole….
Fred
Fone de ouvido!